16 de setembro de 2011

ALÍPIO TOMÉ PINTO

“A PAZ É SEMPRE O MELHOR BEM”

 

FACTOS

Nomeado: Alípio Tomé Pinto (ATP)
Naturalidade: Maçores, Torre de Moncorvo
Data de Nascimento: 14 – 01 – 1936  


INTRO: Carreira militar de apreço notável

Alípio Tomé Pinto foi promovido por distinção ao posto de major, com 30 anos de idade, em Julho de 1966, condecorado com a medalha de Valor Militar com palma e duas medalhas de prata de Serviços Distintos com palma e integrou o comando do 25 de Novembro que repôs a legalidade democrática. Foi, ainda, promovido a oficial general com 45 anos de idade e agraciado com o Grau de Cavaleiro do Império Britânico, Grau de Grande Oficial da Ordem de Mérito da República Federal Alemã e Grã-Cruz da Ordem Militar do Rio Branco do Brasil. Comandou, também, a GNR a nível nacional e, enquanto Chefe do Estado-Maior na Madeira, nos anos 70, Alípio Tomé Pinto teve a trabalhar para si, como Oficial de Relações Públicas, o actual Presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim.
Com um currículo interminável, estes são apenas e só alguns fragmentos de uma vida repleta de protagonismos e acontecimentos marcantes de carácter inefável que o ilustre maçorano experienciou, tendo calcorreado meio mundo na célebre diáspora portuguesa. 


ENTREVISTA
  
Jornal Nordeste (JN) – Foi somando feitos raros ao longo da sua impecável carreira militar. Que características o distinguiam dos seus pares que o possam ter levado a granjear tamanhos e incontáveis reconhecimentos?
ATP – Não sou a pessoa mais indicada para dizer das razões de excepção, já que ao longo da nossa carreira vamos sendo apreciados pelas chefias e comportamentos exercidos. Em 1957, iniciei a minha carreira em Mafra, procurando sempre cumprir com entusiasmo e dedicação as missões cometidas. Contudo, sem nunca deixar de manifestar as minhas opiniões aos chefes, quando o julgava necessário. Daí que em leitura atenta dos meus louvores, na maior parte, constarem as palavras “forte personalidade”. Nunca recusei nenhuma missão, mas a verdade é que só somos nós quando conseguíamos o apoio daqueles que comandávamos e a concordância das chefias. Depois trabalho, estudo, bom senso e entusiasmo foram condições indispensáveis. Talvez seja oportuno relembrar a estafada, mas válida frase, em que se diz que “O Homem é ele e as circunstâncias”. E eu posso dizer que me foram favoráveis e sempre os meus militares estiveram disponíveis para alcançarmos os objectivos que o Interesse Nacional impunha.
 
 
JN – Cumpriu missões em Angola e na Guiné. Já com um certo distanciamento sobre a Guerra Colonial, como é que analisa a intervenção portuguesa em solo africano? Tanto sacrifício teria sido mesmo necessário?
ATP – A resposta não pode traduzir-se num simples “sim” ou “não”, mas no desenrolar da vida de um povo com nove séculos de história feita de rasgos, sacrifícios e de desafios. Demos ao mundo novos mundos e isso não se fez por tratado ou convenções. Foi preciso percorrer esse mundo e deixar “a marca” que ainda hoje persiste e é
orgulho de muitos dos que por lá estão ou daqueles que daqui vão lendo e registando essa odisseia de um povo que ganhou identidade humanista e universalista. Primeiro, foi a ambição do Extremo Oriente, depois o Brasil e, finalmente, África, que a todos nos marcou. A questão Imperial, vivida muito em especial a partir da Conferência de Berlim (1885), não foi nada fácil para a política portuguesa (“sempre de calças na mão”), tendo, naquela data, alemães e ingleses como opositores, que privilegiaram o direito da ocupação pelo da conquista, válido até então. Foi difícil, assim, para Portugal, marcar e salvaguardar as fronteiras desses povos, ainda hoje válidas. A 1ª e 2ª Guerra Mundiais alteraram a face do mundo e após esta última, África acordou para as naturais independências.
  
Aos 25 anos de idade e após os acontecimentos de Angola, em 1961, ATP sofreu ferimentos tão graves que o capelão não hesitou em ministrar-lhe o Sacramento da Extrema-Unção.

Os políticos portugueses não souberam acompanhar esta evolução até porque era possível fazer-se em entendimento e não em luta. O atraso negocial não foi benéfico e surgiram as mortandades no norte de Angola, a que havia que responder militarmente para salvaguarda das populações e bens. No meu caso, fui mobilizado e bem. O depois poderia e deveria ter tomado outros rumos, muito em especial após a morte de Salazar.
Entretanto e com grande intensidade, provocou-se o desenvolvimento sócio-económico sem paralelo na nossa história. Atrevo-me a dizer que, caso não se tivesse processado esse desenvolvimento em muitos territórios dificilmente se falaria hoje o português e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) teria sido uma impossibilidade. Definitivamente, as mortes, os retornados e as guerras civis poderiam ter sido minoradas. Depois, surgiu o 25 de Abril de 74 com todas as suas consequências positivas e negativas. Respondo, então, que não há que ter complexos e que houve erros de muita gente e interesses de outros Povos que não eram os nossos, nem os de África.
Felizmente, encontrou-se a paz. Uma que espero duradoura para todos nós, sendo certo que nada justifica a morte de seres humanos, a não ser a ambição e a ignorância de muitos dos seus intervenientes.


JN – Consta-se que foi um dos intervenientes em dois momentos chave que levaram à consolidação da democracia em Portugal. Em que consistiu exactamente o seu papel?
 ATP – A questão do 25 de Abril de 74 e do 25 de Novembro de 75 é uma delas e já ocupou imensos livros. Eu recomendo a leitura do “25 de Novembro” de Freire Antunes, por me parecer desenhar com simplicidade e toda a verdade o quadro político militar que, então, se viveu. As velhas gerações recordam bem a “confusão” surgida no pós-25 de Abril de 74 que “obrigaria “ um grupo de oficiais a constituírem-se em grupo para planear e levar a bom termo a reposição da Democracia prometida, mas que estava em risco de não ser alcançada.
O meu papel, como o de alguns outros, foi o de participar no planeamento e execução das acções militares a levar a efeito, caso a situação se deteriorasse como veio a acontecer, após os acontecimentos do 11 de Março de 1975. Um dia que pôs em causa a segurança de pessoas e bens e colocou em risco a evolução democrática, numa tentativa de dificultar o processo eleitoral. A partir do Regimento de Comandos, um pequeno grupo onde eu me encontrava, eram difundidas as ordens operacionais após sancionamento pela Presidência da República. Foi imposto o “recolher obrigatório” durante três dias e após movimentações militares e civis que iam além de Lisboa e de alguns confrontos militares na região da capital, criaram-se as condições para que os objectivos nacionais definidos no Dia 25 de Abril viessem a ser cumpridos, inclusive o processo eleitoral. Mas não foi fácil! Posso acrescentar que a intervenção abrangeu actividades de instituições e partidos da área democrática.
 

 
Também na Guiné, na região de Binta, em 1964, ATP foi, de novo, ferido gravemente em combate.

JN – A 28 de Agosto de 1982 é escolhido para comandar a Guarda Nacional Republicana. Curiosamente, um ano antes do FMI entrar em Portugal pela segunda vez. Acha que a crise económica e os cortes a que a GNR tem sido sucessivamente sujeita pelos vários Governos, mais a reentrada do FMI, comprometem, de alguma forma, a sua operacionalidade?
ATP – Assumi o Comando da GNR em Agosto, tendo sido indigitado em Janeiro desse mesmo ano. Depois de ter feito o Comando de Santa Margarida não esperava tal convite e, inicialmente, coloquei algumas questões que o poder político e militar viriam a aceitar. Deram-me tempo para estudar outras forças similares da Europa e a história da própria GNR. A situação do país era tipo pós-revolução, estando em curso a Reforma Agrária no Alentejo, o desenvolvimento das Forças Populares 25 de Abril que provocariam alguns assassinatos e a própria GNR não tinha meios para se adaptar à nova situação. Foram quase seis anos de uma dura mas honrosa tarefa, onde tive o apoio total dos sucessivos governos e a dedicação dos Homens da Guarda que viviam uma situação de carência e a requererem uma reorganização profunda e o estabelecimento de Estatutos que não possuíam.
A presença do FMI nada tinha a ver, nem tem, com a situação na GNR. Traduz, antes, uma deficiente situação económica que poderá ter repercussões sociais que podem perturbar a ordem pública e como tal a GNR e outras forças poderão ser chamadas a intervir. Algo que é sempre desfavorável ao equilíbrio social que todos pretendemos alcançar. A Paz é sempre o melhor bem. A falta de meios financeiros ou outros terá sempre repercussão no seio destas instituições, afectando o seu moral e espírito de sacrifício perante as exigências da missão.
 
 
JN – Qual foi a campanha militar mais difícil em que participou?
ATP – Não dá para escolher, já que todas elas são difíceis. Em especial, quando temos a nosso cargo o comando das tropas. Por cada um dos militares, sentimo-nos responsáveis, quer nas questões logísticas, quer nas questões psíquicas e de combate. São sempre noites e dias longos. Em Angola e na Guiné vivi momentos preocupantes. Mais na Guiné, pois o adversário actuava num terreno próximo dos locais de refúgio além-fronteiras e com maior apoio internacional.
Do negativo, há que fazer positivo. O apoio prestado às populações, por exemplo, construindo um aldeamento, uma escola, um Posto de Socorro e outras condições que tornaram a região pacifica e com condições de vida própria a que não faltaram as sementeiras de arroz e amendoim, aumentava a nossa capacidade de resistência psíquica e de auto-estima. Foi esta política estratégica que nos levou a resistir e durar 13 anos em três teatros de operações a milhares de quilómetros de Lisboa.
Da guerra, tentávamos fazer a PAZ e, em Angola, quase o conseguimos, não fosse o falhanço da política.



JN – Da sua imaculada folha de serviços constam treze louvores ao nível de Ministro ou Oficial General, quinze condecorações nacionais e dez condecorações estrangeiras. Que é que significaram para si?
ATP – Condecorações e louvores traduzem sempre uma apreciação positiva e de incentivo. É usual dizer-se que não se pedem, mas não se recusam. Assim aconteceu comigo e acontece com a maioria. Quantificar ou valorar este apreço seria atitude menos digna, pelo que todas me merecem igual respeito por quem as concede e pelo que elas, a cada momento, representam. Recebidas por um, mas que, por vezes, são obra de muitos. Há que ter essa noção, sem falsas modéstias.


“Nas saudosas conversas com o meu Pai, ele me dizia: “faz sempre o Bem e dos outros antes inveja que Piedade.””
 
 
JN – Percorreu várias partes do mundo. De todos os países que visitou, que cultura considera como sendo a mais fascinante?
ATP – Uma curta questão que exigiria uma longa resposta, entrosada com a presença dos portugueses no mundo. Um número na ordem dos cinco milhões. Todos os locais nos deixam especiais recordações quando gostamos de conhecer o mundo. É difícil tal escolha, mas do modo como está feita a pergunta responderia Itália. Por razões dos Exercícios NATO e da Missão da Brigada Portuguesa tive que me deslocar ali várias vezes e calcorrear algum terreno. De Milão a Veneza, passando por Verona e Sirmioni (Lago dela Guardia), a paisagem é deslumbrante e mais bela se torna quando subimos e percorremos a região dos Alpes. As populações são de um nível cultural elevado e de excepcional convivência. Verona não são apenas os amores de Romeu e Julieta, mas tem um excepcional teatro romano ao ar livre funcionando durante o Verão com alguns dos melhores espectáculos europeus.
A meio caminho de Roma, temos Florença com o seu esplendor museológico que vale a pena visitar por dois ou três dias. Roma é o passado longínquo, um berço civilizacional, também, pleno de modernidade e bonitas mulheres que se passeiam pela via Veneto ao final da tarde. Mas há que visitar Nápoles e a alegria das suas gentes numa terrível confusão de transportes e de gritos. Próximo, temos a velha imagens da antiga Roma nas pequenas cidades de Herculano e Pompeia. Para os turistas, temos as belezas da costa malfitana e as famosas ilhas de ÍIsquia e Capri. 
Mas, para aqueles que querem recordar o Portugal de outros tempos, têm que procurar S. Salvador com as suas Igrejas carregadas de ouro e as pequenas cidades do interior do Estado de Minas Gerais. As suas ruas, telhados e janelas são a cópia do que se fazia nas nossas cidades do interior noutros tempos.
Já o verde de S. Tomé é único, como único é o pôr-do-sol visto na Tundavala, em Angola. Sentado numa pedra e em silêncio, é uma visão deslumbrante e um sentimento único.
Fascínio há em todo o mundo, desde que saibamos ver, observar e conversar. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa espalhada pelos quatro Continentes tem um pouco de tudo…. E de fascínio, sobretudo.
 
 
JN – Como é que os seus familiares, amigos e conterrâneos maçoranos viram a ascensão meteórica de um filho da terra a um dos mais prestigiados postos militares portugueses da sua geração?
ATP – Para não roubar mais tempo ao leitor e, sabendo eu, que o espaço da imprensa é sempre reduzido, limito-me a narrar duas situações por mim vividas que nos levam a ser daquelas terras e daquelas gentes para todo o sempre. Depois do meu ferimento em Angola, em 1961, ainda muito combalido, fui de visita à minha aldeia. Era Domingo e a igreja estava cheia. À saída, no adro, todo o povo se reuniu e pediram a minha atenção. Discursou o Sr. Albano Mendes como o mais velho e importante da aldeia, depois o ti Alípio do “soto” usando palavras buriladas pela frequência do Seminário, depois falou a Maria do Céu, minha colega de Escola Primária. Eu agradeci. A emoção, amizade e orgulho daqueles conterrâneos ficaram bem expressos no que me disseram e no acompanhamento que me fizeram até casa de meus pais.
Bem mais tarde, já Tenente General e, após ter feito o comando da GNR, o presidente da Câmara Municipal de Moncorvo, Aires Ferreira, desencadeou uma cerimónia de homenagem, onde apareceu gente de todas as aldeias vizinhas à minha, pessoas de todas as idades, mulheres de xaile e lenço do tempo de minha mãe que me beijavam como se mais um filho fosse. De Lisboa e Porto compareceram amigos, os meus ex-militares estavam presentes com os Guiões das Companhias e o Presidente da República se fez representar.

Forças Armadas Portugueses no "Royal Tournament" com ATP e a Rainha Elizabeth II


 Uma questão de fé

“Hoje, preocupa-me a actual situação de perda de valores e falência das elites. Lamento a falta de visão e o empobrecimento nas regiões fronteiriças, do esquecimento do mar, que é nossa Identidade; e só, tardiamente, se cuidar da vantagem de uma mais forte determinação no âmbito da CPLP, sem nunca deixarmos de ser os europeus que sempre fomos. Há que fazer renascer a esperança no reencontro com os outros e com nós mesmos e acreditar. Eu acredito!”, ATP
Alípio Tomé Pinto no "topo do mundo", representando a cultura transmontana ao defender a identidade nacional

1 comentário:

  1. O Grande general,nunca negando as suas origens de que tanto se orgulha,MAÇORANO...(isto diz tudo)
    O povo da terra enche o peito de orgulho cada vez que fala dele,com orgulho de dizer que é de Maçores uns dos maiores militares do nosso pais.
    Deveria ter sido mais reconhecido,valorizado, aproveitando toda a sua expriencia,sabedoria pelos governos,aquando da independencia das ex colonias e depois de ter terminado a sua carreira Militar...Emfim,mas a carreira fala por ele,MÉRITO NADA MAIS....

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