31 de julho de 2011

"É A MAGIA DO FADO!"


Factos

Nomeada: Katia Guerreiro
Arte: Fado
Nascida a: 23 de Fevereiro de 1976
Naturalidade: África do Sul

Entrevista

1 @ Licenciada em medicina, porquê o fado?

R: Na realidade, eu não tomei uma decisão. Mantenho-me como médica e a exercer. É verdade que o fado ganhou um peso muito grande e muito maior do que eu esperava na minha vida. E claro que a minha dedicação ao fado é hoje muito maior do que aquela que eu pensava que ia disponibilizar no início da minha carreira. Mas é tudo porque, na verdade, o fado tem esta coisa especial de nos transformar. A mim transformou-me, fez-me coisas muito boas, fiquei a conhecer-me melhor e acho que, hoje, sou muito melhor pessoa do que era porque sou capaz de dar ainda mais do que dava antes. E depois de se ter esta experiência é muito difícil voltar atrás.


2 @ Como é que descreveria o que canta e encanta?

R: O meu fado é um bocadinho o espelho da minha alma e eu acho que não há nada melhor do que nós darmos a nossa alma aos outros. Se os outros conseguirem entendê-la, então aí ganhamos amigos para o resto da vida.


3 @ Tendo já percorrido meio mundo, de todos os países onde actuou, qual foi aquele que mais a fascinou?

R: É muito difícil eleger, mas eu devo confessar que o Japão me trouxe surpresas enormes. As tournées que fiz nesse país foram reveladoras de que nós somos, de facto, todos iguais por dentro, nas nossas emoções, nos nossos afectos. Temos é formas de nos expressarmos e de vivermos o presente muito distintas. O povo japonês tem uma maneira muito formal de estar no seu dia a dia e no seu relacionamento com os outros. Quando se fecham as portas de um espectáculo, são exactamente iguais a nós e choram e emocionam-se e querem muito estar perto do artista e nunca mais largam. Eu tenho fãs japoneses que me seguem desde sempre e é maravilhoso!

4 @ Curiosamente, a cultura oriental é uma distinta apreciadora do fado. Como é que explica esse sentimento de países tão distantes por algo tão singularmente nosso?

R: É a magia do fado! É o não sei quê de sentimentos… O fado provoca-nos um certo frenesim cá dentro. É engraçado porque esses povos não entendem a nossa língua. E aí é que está o mistério. A verdade é que o fado é, de facto, a canção e a música por excelência das emoções. Não é possível estar sem mentira no fado. E, portanto, quando se está no fado com verdade, o público que nos ouve, mesmo que não perceba aquilo que nós estamos a dizer, sente-se tocado e pode, eventualmente, estar a criar as próprias histórias da sua vida. Eu vou partilhar aquela que é a minha experiência: tantas vezes, noutros países, no final dos concertos, as pessoas chegam ao pé de mim e dizem-me que não perceberam uma única palavra, mas que entenderam tudo aquilo que a música queria dizer.
Há uma verdade nas palavras e na nossa poesia e, também, uma intensidade na nossa música que consegue transmitir tudo aquilo que nós, realmente, sentimos por dentro.

“É o casamento entre a poesia e o fado que faz nascer o canto”

5 @ Sendo Portugal um país de poetas, quais são os seus escritores predilectos?

R: É tão difícil eleger, mas tenho alguns, de facto. Tenho a Sophia de Mello Bryner, uma autora de excelência, da qual sou hiper fã e leio toda a sua poesia. A Florbela Espanca, sendo que é uma poetisa muito triste, mas, atenção, a tristeza consegue ser igualmente bela. Gosto muito de Pedro Homem de Melo e de David Mourão Ferreira. Mas, depois, há imensos poetas novos. Novos valores que estão a aparecer e que são reveladores de que a poesia não morre. Não é uma arte estanque, há muita coisa por dizer e por descobrir, ainda, no mundo das emoções.


6 @ Em 2010, concluiu uma década de carreira. Foi o completar de um ciclo?

R: Comecei a fazer o balanço no final de 2009 e foi aí que percebi… Caramba! Já passou este tempo todo? Comecei, então, a fazer uma retrospectiva. E só decidi comemorar os 10 anos de carreira porque, de facto, tudo me foi oferecido. Foi a vida que me ofereceu tudo isto. Eu não fiz nada por ser artista. Foi o acaso que fez com que eu me cruzasse com o João Veiga. Foi o acaso que fez com que, um dia, o João Braga me telefonasse a convidar porque tinha ouvido dizer que eu cantava bem. Foi o acaso que fez com que eu me fosse deixando levar e agarrar todas as oportunidades bonitas que me estavam a ser oferecidas. E ao fim destes 10 anos, eu não estou a encerrar um ciclo, eu estou a viver esse ciclo intensamente e a fazer crescer e nascer coisas novas a partir daí, inspirada nisso tudo.


7 @ Depois do álbum “Nas asas do fado”, que serviu para celebrar os 10 anos de carreira, prepara, de momento, algum trabalho ou tem estimativas para quando o próximo disco?

R: Eu não gosto muito de fazer estimativas de tempo, mas estou a começar a ter algumas ideias e estou já a desafiar algumas pessoas para compor. Por isso, julgo que, em 2012, haverá qualquer coisa de novo. Este ano não. É muito cedo e eu quero fazer um trabalho muito sólido e consistente e isso levará, ainda, algum tempo.


8 @ Como é que vê, em Portugal, este estilo de música secular que está tão profundamente enraízado nos nossos costumes? Ainda existem grandes fadistas?

R: Claro que sim! E ainda bem que temos. Porque repare: hoje estava a acontecer fado aqui em Bragança, como pode estar a acontecer fado na Coreia do Sul, nos Estados Unidos, na África do Sul, na Alemanha, Itália. É bom que sejamos muitos porque o mundo precisa de nós.

Katia Guerreiro, depois do concerto em BGC


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