21 de outubro de 2009

"PANDEMIA OU HISTERIA?"

A primeira pandemia do século XXI – a gripe A (H1N1) – criou oportunidades de negócios sem paralelo num ano de acentuada crise económica

Na definição dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), uma pandemia está em curso sempre que uma doença contagiosa – neste caso, a gripe A – demonstre ter uma considerável capacidade de transmissão entre os seres humanos, com focos epidémicos independentes a declararem-se simultaneamente, pelo menos, em duas regiões geográficas distintas do planeta. O que tem acontecido com mais incidência em países como México, EUA e Canadá.
Em Portugal, a gripe A provocou a terceira vítima mortal. Uma mulher grávida que andou de hospital em hospital, teve de fazer uma cesariana, não resistiu e morreu devido ao vírus da gripe A. O bebé encontra-se em perfeito estado de saúde.
De acordo com dados apresentados pelo Ministério da Saúde, o número de novos casos parece ter estabilizado, já que, na semana de 28 de Setembro a 4 de Outubro, os serviços nacionais de saúde contabilizaram, com gripe A, 1772 doentes. Igual cenário tem tido o palco internacional, na comparação com números verificados em pleno mês de Junho.
No dia 26 de Outubro, um grupo que ronda os 49 mil portugueses será vacinado, sendo que, até ao final de 2009, um milhão de pessoas deverá estar na fileira dos imunizados. Desta forma, a grande maioria das vacinas (dois milhões) só terá destino marcado a partir de Janeiro.

Lucros astronómicos das grandes multinacionais farmacêuticas

Entrados recentemente no Outono, as temperaturas altas terão adiado o pico de novos casos. Um que se fará sentir com o rigor climatérico adverso que se avizinha, que causa medo e paranóia infundada ao pensar-se que a saúde pública estará em causa.
Por isso, convêm estabelecermos certos paralelismos, não com o intuito de aumentar o pânico, mas antes para verificarmos que, mesmo sendo real, a gripe A não será uma pandemia tão mortífera e letal como o cidadão médio é conduzido a pensar.
A morbilidade e a mortalidade causadas pela gripe A são muito mais reduzidas do que aquelas verificadas por acção da influenza sazonal, tanto que, esta última mata meio milhão de pessoas todos os anos. Um número que coloca a “tão temida” pandemia do século XXI na prateleira das doenças infecto-contagiosas de mortalidade reduzida.
Com a Gripe A, a Roche, a Relenza e a GlaxoSmithKline, as principais empresas responsáveis pela venda dos anti-virais e detentoras das suas patentes, nomeadamente, do Tamiflu (disponível nas farmácias pelo “simbólico” preço de 25 euros e 17 cêntimos) obtiveram lucros na ordem dos milhares de milhões de euros.

Aparelho que, através da leitura térmica, detecta a Gripe A

O mesmo medicamento, apesar de ver o seu uso recomendado, não foi criado especificamente para a Gripe A, e já fora utilizado em outras pandemias, como a Aviaria (H5N1). Ainda que seja de eficácia duvidosa, milhões foram vendidos aos países asiáticos e mesmo o governo britânico comprou, como medida preventiva, mais de 50 milhões de doses.
O medo pandémico instalou-se e, perante alguns casos de resistência aos medicamentos, desenvolveu-se uma nova vacina, que poderá render 1700 milhões de euros a cada multinacional que a produza. Num ano de acentuada crise económica, os grandes laboratórios não podiam estar melhor financeiramente, e as suas reanimadas cotações na bolsa mantêm-se altíssimas.
Até finais de Setembro, o crescimento da Roche e da GlaxoSmithKline – ambas produtoras de anti-virais e esta última também da vacina encomendada por Portugal – não atenuou. Apesar de analistas questionarem esta prosperidade, bem como o facto de se desenvolver uma vacina em tão pouco tempo quando antes seriam necessários anos de experimentações e ensaios clínicos, a verdade é que as acções da Roche subiram 19 por cento e as da GlaxoSmithKline 27 por cento. A Novartis, produtora de uma outra vacina aprovada na União Europeia, subiu 32 por cento.

Outros negócios privilegiados com Gripe A

As vacinas para a gripe sazonal não são eficazes contra a gripe A, mas este ano há mais gente a procurá-las por receio. Só na primeira semana, entre 15 e 20 de Setembro, as farmácias já administraram mais de um terço das vacinas, num total de quase 420 mil doses – um número superior ao registado em 2008, segundo dados na Associação Nacional de Farmácias.
Protagonismos de Verão mantêm-se, é o caso do gel desinfectante, máscaras, toalhetes anti-sépticos e bactericidas. Uma súbita obsessão com a higiene? Não. A primeira pandemia do século XXI - a gripe A (H1N1) - trouxe oportunidades de negócio sem paralelo num ano de acentuada crise económica.
Um contexto que as empresas souberam capitalizar. Até porque as grandes compras não foram centralizadas e cada escola, empresa ou serviço público, de forma solitária, tentou encontrar a melhor solução, negociando um preço mais baixo com os seus fornecedores.

Do lado dos particulares, as compras também tiveram aumentos astronómicos no número de embalagens e no valor. Se em 2009 olharmos para as vendas mês a mês, percebemos que há um claro aumento em Julho. Em média, de Janeiro a Junho, foram vendidas 3200 embalagens por mês. Em Julho, o número passou para 45.000 (mais 1300 por cento). Isto traduziu-se numa passagem de uma venda média de cerca de 12.000 euros para 277.000 (mais de 2200 por cento), de acordo com dados emitidos pela consultora IMS Health Portugal.
As várias farmácias e lojas de produtos naturais são também das primeiras a admitir que há outros beneficiários com a gripe A, como produtos com vitamina C ou outros que reforcem o sistema imunitário, analgésicos e antipiréticos. E nem as vacinas para doenças do foro respiratório escaparam à febre consumista e ao medo infundado.
Há mesmo quem tenha comprado botas de cirurgião para calçar à entrada de casa, não vá a Gripe A invadir o conforto familiar e deitar por terra todos os esforços para manter o H1N1 bem longe de casa.


Maria José Genésio, directora técnica, Farmácia Confiança

“É hábito efectuámos pré-vendas no mês de Julho e Agosto das vacinas para a gripe sazonal que depois vamos adquirir. Este ano, antecipando já o nível de preocupação das pessoas relativamente à gripe A, aumentámos a pré-venda em cerca de 30 % e, nos primeiros 15 dias, vendemos quase tanto como nos três meses de vacinação do ano anterior.”

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