7 de novembro de 2010

"DÚVIDA RAZOÁVEL"

“Condenados” reaviva a consciência nacional sobre Sérgio Casca, o ex-GNR acusado de ter morto dois dos seus colegas

“Numa noite no Bar 25 dois ciganos disseram que vinham de Espanha e foram mandados parar pela BT perto de Bragança. Tinham, na altura, um quilo de droga e receberam voz de detenção. Ofereceram-lhes dinheiro aos guardas e eles acabaram por aceitar mil contos. Ficaram com a droga e combinaram um encontro para uns dias depois concluírem o negócio. Nesse dia, os guardas simularam que iam para um acidente e foram ter com os ciganos a determinado sítio. Eles entraram para trás da viatura da GNR, só que, nessa altura, os militares disseram que já não queriam mil euros, mas sim três mil. Discutiram, só que os guardas nem tiveram tempo de reagir, foram abatidos do banco traseiro. Na altura, acreditei que a história que me contavam tinha pés e cabeça”, assegurou Manuel Correia, cabo da GNR reformado, à equipa da SIC.

Um jornalismo de investigação de excelência desenvolvido por Sofia Pinto Coelho, autora da reportagem que passou na passada quarta-feira na SIC, no programa “Condenados”, trouxe à memória a década de 90, em Trás-os-Montes, aquando dos homicídios de dois militares da GNR. Um crime brutal em que eles foram baleados à queima-roupa. Uma impressão palmar de Sérgio Casca na viatura foi o argumento maior de uma acusação cuja lógica de sentença era frágil e incoerente. Mas que foi suficiente para condená-lo a 20 anos pelo duplo homicídio dos seus colegas da Brigada de Trânsito. Desde o princípio que clama a sua inocência. Saiu ao fim de 10 anos, 6 meses e 22 dias, passados, maioritariamente no Presídio Militar de Santarém! Agora, abandonado.
O início desta história começa com um telefonema para a GNR de Bragança às 21:45. Mas, talvez, tenha começado bem antes. Pediram para ligar ao trânsito por causa de um acidente em Grandais, a primeira aldeia depois de se sair de Bragança em direcção a Vinhais. Meia hora depois descobrem-se os GNR assassinados.
A única prova concreta contra Sérgio foi a sua impressão palmar no carro da GNR, que ele usava frequentemente. Aliás, há indícios que tenha andado nele na manhã do próprio dia do crime. Daí a sua impressão palmar. Na véspera, ele e o militar Humberto Pereira, numa saída de patrulha, detiveram na Ponte do Sabor um indivíduo por excesso de álcool, com 1,85 g/l. Este ficou detido à ordem do tribunal de Bragança no Destacamento para ser presente no dia 13 às 10 horas. O dia do crime. Existe uma prova documental, a acta confirma que o Cabo Casca foi o autuante e, por isso mesmo, teve de levar o detido ao tribunal.
Se tivesse usado o carro T0313 na manhã do crime então a impressão palmar da sua mão esquerda estava justificada. Sobretudo, por ter ido no lugar do passageiro. Só que estas pequenas deslocações não eram registadas. O único documento oficial que existia era o boletim das patrulhas e esse explica os 8 quilómetros a mais na viatura. O advogado deste caso viu o Cabo na manhã do crime, em tribunal, mas ninguém lhe pediu para o testemunhar. 
Na época, levantou-se a suspeita de um crime de honra cometido por Sérgio, em defesa da irmã Carla Casca, que disseram, em julgamento, que teria uma relação com um dos agentes assassinados, Mário Marques, que estava de casamento marcado para breve. Relataram até que estaria grávida dele. Mas Carla afirma que nem o conhecia. 
Por resolver, o caso manteve-se parado ao longo de três anos consecutivos. A justiça tinha de encontrar um culpado e o processo foi reaberto. O testemunho dos familiares que garantia que Sérgio Casca estaria na aldeia à hora do crime foi desprezado à partida e o Cabo da GNR ficou em prisão preventiva, tendo sido, posteriormente, condenado.
Joana, a filha de Sérgio, tinha 1 ano e meio quando o pai foi preso. A sua esposa, Maria João, sempre acreditou na inocência do marido e, ainda hoje, permanece a seu lado. Na noite do assassinato violento, Sérgio assegura que estava em Peleias a jantar em casa dos pais. Viram-no chegar por volta das 19:30 e só chegou a Bragança depois das 23h. E não foram só os seus familiares a afirmarem-no. Nessa noite, em casa dos pais, estava uma amiga da família. Mais, houve um habitante de outra pequena aldeia, disse que o viu passar a essas horas. Sérgio foi, também, mandado parar por um bloqueio de estrada da GNR à vinda de Vinhais para Bragança com a sua esposa, o que o iliba, de certo modo. 
No tribunal, em julgamento, um juiz levanta-se, dirige-se a Sérgio e ordena-lhe para levantar as mãos. Por não estarem a suar, o juiz Marcolino concluiu que o detido teria uma personalidade fria e calculista. Só que, no entanto, dois psicólogos do Instituto de Medicina Legar contrariaram essa conclusão, advogando que o principal traço do arguido seriam os seus fortes valores morais.


Pormenores, no mínimo, estranhos

A primeira testemunha, o padre, viu dois indivíduos esconderem-se no meio da mata quando passou na Estrada Nacional 103 à hora do crime. Então, onde está o cúmplice? As vítimas foram baleadas dentro do carro e os corpos arrastados para o meio da estrada. No entanto, no carro da GNR não se encontraram impressões digitais, nem o sangue das próprias vítimas. Apesar do relatório da balística, em que foram recolhidas cápsulas de uma única arma de calibre 6.35, indicar que, pela trajectória das balas, os assassinos terão ido dentro do carro e disparado por detrás. Mais, os assassinos levaram o carro da BT, encontrado a seis quilómetros do local das vítimas. As duas pistolas 9mm dos agentes abatidos desapareceram sem deixar rasto.
A perita da PJ mencionou uma impressão palmar “fresca”, com 1 a 5 dias, no espelho retrovisor central do carro. Todos os militares na GNR fizeram o teste que encontrou correspondência na mão esquerda de Sérgio Casca. Como principal suspeito, foi monitorizado de perto e os seus telefonemas colocados sobre escuta. Mas não foi encontrada mais nenhuma prova que o incriminasse.
Estranho é, também, o facto de haver duas testemunhas a confirmarem que Mário Marques lhes havia dito, semanas atrás, que tinha apreendido um quilo de droga no IP4 entre Bragança e Macedo de Cavaleiros. Disse-o à mãe, esta repetiu-o em julgamento, e disse-o a uma ex-namorada, de nome Paula, que apesar de ter sido entrevistada pela PJ nos inquéritos preliminares, não a conseguiram encontrar para prestar depoimento no tribunal. Os seus superiores hierárquicos negaram qualquer apreensão.
Era preciso encontrar um culpado. Sérgio Casca poderá ter sido o bode expiatório, o elo mais fraco por ter poucos amigos no seio da GNR.
Restam as dúvidas… Quem matou, como e porquê? Na presença de dúvida razoável e de acordo com uma crença da velha guarda da PJ, mais vale ter 10 culpados em liberdade do que mandar um inocente para a cadeia.
In dubio, pro reu.

 

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