28 de novembro de 2011

PAULO BRAGANÇA


Os Fados de “Bragança” pelo mundo

 FACTOS
Nomeado: Paulo Bragança
Origem: Angola
Ofícios: Cantor, actor e estudante
Arte: Fado
´

ENTREVISTA

Jornal Nordeste (JN): Como é que sentiste a excepcional recepção do povo brigantino no teu regresso aos palcos após um retiro de seis anos do mundo artístico?
Paulo Bragança (PB): Não sei! Senti-me muito bem, mas muito estranho ao mesmo tempo. Foram dias carregados de emoções, desde que aterrei em Lisboa. Tinha montes de gente à espera no aeroporto, pessoas anónimas a pedirem-me autógrafos. Foi muito bom! Eu não estava à espera disso… Aliás, eu não estava à espera de nada. Depois, foi chegar aqui e ver a minha família que não via há seis anos. Se bem que a minha irmã esteve uma vez comigo na Irlanda com os meus sobrinhos. Mas, de qualquer maneira, é os pais, aquela emoção toda de regressar, o palco…

JN: Na tua opinião, o público soube perceber a importância do momento ao receber-te com uma salva de palmas que parecia não terminar?
PB: Completamente! Aqueles minutos, aquele momento, indescritível… Eu vim a convite do agente Fernando Moreno e do Zé (José Cid) e que eu não esperava tão pouco. Estava na minha casa em Dublin quando recebi uma chamada, que nem atendi porque estava a fazer outra coisa, depois enviaram-me uma mensagem e eu disse “e agora?”. Eu sabia que teria de vir a Portugal em breve, no final de Setembro, para tratar de outras coisas. Nem era para estar a nível público, mas depois pensei: “porque não? Se é agora, vamos embora”. E aceitei o convite. Apreensivo, com algum receio, amedrontado, mas cheio de confiança ao mesmo tempo.
É preciso salientar que não houve ensaios. Apenas, um no dia anterior porque, como sabes, o concerto foi adiado, mas não houve nenhuma preparação… Foi o que foi! E foi um momento único, sobretudo, nesse sentido de não haver nada programado. Nunca tinha tocado com aqueles músicos e aquilo foi muito próprio. Foi um momento que, provavelmente, não voltará a acontecer tão em breve.

Após seis anos de ausência por terras lusas, Paulo Bragança regressa à cidade que o acolheu no coração do nordeste transmontano

JN: Já estás a preparar o teu regresso com um novo trabalho. Tens uma data definida para o seu lançamento? Fala-nos desse projecto?
PB: O próximo disco é o resultado destes seis anos em que eu saí de Portugal, em que absorvi outras culturas, nomeadamente, a Irlandesa, por razões óbvias. Já tenho músicos, tenho escrito imenso. Tenho muitos temas e muita coisa. Acho que irá ser um grande problema seleccioná-las, inclusive. Mas datas não tenho. Será algures por Abril do próximo ano. Talvez em Portugal se passe outra coisa antes, não sei ainda. Estão a pensar fazer uma reedição dos outros trabalhos todos e fazer um best of em condições. Mas ainda não sei e por isso não te posso dar certezas. Mas o regresso à música está mais que garantido.
JN: O álbum será por ti interpretado em que línguas?
PB: O álbum é o resultado de todas as culturas, de todos os fados. Porque o Fado, em sentido lato, não é exclusivamente português. A fórmula fomos nós que a concebemos, digamos assim, mas aquela atitude existe noutros países e isso é que me interessa. Por isso, passa por outras línguas, por outros fados e, obviamente, passará pelo português. Seria uma absurdo se assim não fosse.

JN: Fizeste de um país repleto de história a tua morada actual. Porquê a escolha de uma ilha rodeada pelo Atlântico?
PB: Depois de ter passado por outros países da Europa como a Roménia, França, Inglaterra e Holanda, acabei por ficar na Irlanda. É um sítio que é tão fora de mão. E olha que o império romano nem lá esteve. Isso é de salientar! Mas fui muito bem acolhido e, numa altura, em que a minha vida não estava nada bem, a todos os níveis e mais alguns, senti-me bem. E não enquanto figura pública, mas como um qualquer cidadão comum. Senti-me imediatamente em casa. E absorvi a cultura deles de uma maneira que, hoje em dia, por vezes, o meu sangue fica verde. Isto porque a Irlanda é conhecida como a ilha esmeralda. Tudo é verde, não há castanhos, só milhares de verdes… E quando eu digo que o meu sangue está a ficar verde é porque estou mesmo a amar o povo e a cultura irlandesa. Eu estou a aprender a sua língua, o gaélico, e não sou fluente, pelo menos para já, mas lá chegarei. Na escrita, no entanto, estou muito bem.
As pessoas não sabem isto, mas a palavra gaélico vem da Galiza e o nordeste transmontano é tão celta como eles. E essa ligação das duas culturas celtas porque isto é uma nação celta, também, e as gaitas de foles, os kilts e as próprias saias mirandesas, em tudo isto há ligações. E é essa pesquisa, esse trabalho, que eu estou a fazer.
 
 
Paulo regressou a Bragança para as Festas da Cidade, após convite endereçado por Fernando Moreno, produtor de espectáculos, e José Cid

JN: Em termos culturais, como é que é a Irlanda?
PB: É um país onde se passa o mesmo que em Londres, em Manchester, em Liverpool… É exactamente a mesma coisa! Não é só o que vem de fora, mas também o que está lá dentro. Eles fazem e vendem aquilo muito bem porque são autênticos naquilo que fazem. Não só na parte da música, o folk tradicional irlandês, a Irlanda é um país de escritores, de poetas. É o país de Baco. E tudo isso deslumbrou-me! E depois há aqueles mistérios celtas, aquelas lendas.
Eu vivi num castelo durante um ano e meio. Era normando, tinha 900 anos e pertencia a um amigo meu. Estava no coração do país, mesmo no centro geográfico, atrás do segundo maior lago da Irlanda e estar lá sozinho durante esse tempo, num período de reclusão, consegui aperceber-me de toda a história daquela nação lavada a sangue.
Aquilo é um castelo a sério e eu estive sozinho quase sempre. Consegue ser belo e fantasmagórico ao mesmo tempo, mas há ali tanta, tanta história. Eu dedicava-me só a ler, a escrever ou, então, a olhar para o céu a pensar, a meditar.

JN: Ou seja, fez-te bem esse período de reclusão?
PB: Se fez! Até já tenho saudades, acredita. Porque lidar com o facto de ser uma figura pública, tudo isso tem a sua parte agradável, mas não te podes deixar deslumbrar. Não há muita diferença entre a pessoa e o artista. E eu sou aquilo que sempre fui. Eu costumo dizer, cada vez sei menos do mundo, mas mais de mim. Eu não vejo notícias, não leio jornais, não quero saber. Simplesmente, não me interessa. Porque é tanta tragédia e já basta a minha. E se eu souber mais de mim, melhor de mim vou dar. Por isso, o mundo não me interessa. Interessa-me saber de mim.
A Irlanda, também por ser uma ilha, tem uma identidade muito própria onde não é fácil penetrar. Eles dão-te a deixa, se souberes agarrá-la… Eles deixam, mas tens de ser autêntico também. E talvez por essa sua autenticidade é que eu sempre me senti muito bem lá. Porque eu também fui sempre muito autêntico comigo próprio. E não cheguei lá com truques, também porque nunca os tive. Em Roma, sê romano. E eu fiz, de facto, isso. De modo que este próximo disco vai ser o resultado destes anos de ausência, das novas influências e de outros fados que há no mundo. Mas descobrir o fado dentro da sua própria cultura não é fácil. Obedece a um exaustivo trabalho de pesquisa e disciplina. Uma pessoa tem de se embrenhar nas situações e senti-las. Acima de tudo, o novo disco será a influência destas coisas todas.

“Só vivi em Bragança durante oito anos, mas foi um período muito intenso. Para além disso, carrego a responsabilidade do nome”, PB
JN: Tiveste também uma experiência recente na representação, mais concretamente ao protagonizares a aclamada curta-metragem intitulada “Henry and Sunny”. O que é que significou para ti, enquanto artista?
PB: Eu já tinha participado no filme “Tráfico” com o João Botelho, mas aquilo foi completamente inesperado. Eu trabalhei algum tempo, pouco, pela primeira vez na minha vida, das 9 às 5, para a câmara de Dublin. Eu estava a fazer um trabalho para eles e entrei em casa da Orla e vi logo que aquela era morada de uma artista. Mas não me competia a mim perguntar tal coisa. Passados uns dias, regressei e ela perguntou-me se eu gostava de cinema. Eu respondi, “claro que sim”. E ela retorquiu, “algum dia consideraste em vir a participar num filme?”. E eu disse-lhe que, por acaso, até já tinha participado. E foi então que ela me contou que tinha um filme para fazer e eu parecia-lhe ser a pessoa indicada. Mas ela não fazia a mínima ideia de quem eu era. Aí começou a situação. Depois conheci o realizador e fiquei com o papel principal. Eu não fiz por isso, mas apareceu-me do nada. E essa é que é a história fantástica porque podiam passar 500 anos e não voltar a acontecer-me algo assim.






Sem comentários:

Enviar um comentário