5 de janeiro de 2011

UM PORTO DE ABRIGO


FACTOS

IPSS: Lar de S. Francisco
Responsável: Maria Eduarda Siza Vieira
Congregação: Irmãs de Santa Doroteia
Nascida em: Matosinhos
Data de nascimento: 26/03/1939
Cargo: Directora técnica


ENTREVISTA

1 @ Enquanto directora técnica do Lar de S. Francisco, a irmã é a responsável máxima da instituição que acolhe, protege e salvaguarda crianças e jovens em situação de risco. Muitas vezes, proporcionando-lhes um futuro risonho que de outra forma não teriam. Há quantos anos lidera os desígnios deste porto de abrigo?

R: Fez, recentemente, 19 anos. Quando cheguei a Bragança, vim para aqui directamente.


2 @ Sendo uma valência do Centro Social e Paroquial de Santo Condestável, quais são as principais dificuldades com que o Lar se depara? A todos os níveis…

R: As dificuldades são várias. A primeira é inerente ao facto de lidar com tantas crianças e jovens que vêm muitas vezes carentes e sem compreenderem a razão da sua institucionalização. Todas elas desejam ter uma família e, portanto, esse factor por si só, já traz muitas dificuldades a nível, às vezes, da própria relação entre elas, da integração nas escolas, etc… Depois, há, também, aquelas idades mais difíceis da adolescência em que, por vezes, estes problemas se agudizam ainda mais. Uma outra dificuldade situa-se ao nível do insucesso escolar como, hoje em dia, também é vulgar entre outras crianças que não estão em instituições. Ou seja, não há um gosto, salvo raras excepções, pelo estudo, o que nos obriga a um esforço redobrado para com as crianças, na medida em que, cada vez mais, quem não tem uma habilitação não vai conseguir um futuro feliz e promissor. No entanto, até temos um bom grupo que já está no ensino superior e outras até que já se formaram. Outra das dificuldades é gerir, a nível económico, uma casa desta envergadura, com as dificuldades que começam hoje a aparecer em termos de apoios, de subsídios, etc… O que acrescenta dificuldades à gerência do Lar.


3 @ Neste momento, quantas crianças e jovens integram o Lar de S. Francisco? Entre que idades? E qual é a capacidade limite da instituição?

R: Actualmente, temos 45. Seis estão no ensino superior. A criança mais nova tem 9 anos, enquanto que a mais velha tem 20 anos. Temos um acordo que nos pode levar até às 60. No entanto, a tendência, hoje, é que as instituições diminuam de número de utentes. De maneira que, estamos um pouco nessa linha.


4 @ E no que diz respeito ao número de funcionários?

R: São cerca de 25, 26. Parece muita gente, mas o Lar funciona 24 horas por dia. Portanto, para as crianças estarem devidamente acompanhadas é necessário um grande número de funcionários, mesmo para gerir a questão dos turnos.


5 @ Na sua opinião, estes tempos de crise instalada por todo o Portugal têm influenciado de alguma forma a gestão do lar ou tem-se notado um incremento no que concerne aos pedidos de ajuda?

R: Aqui ainda não sentimos! Mas prevejo que isso possa acontecer num futuro próximo. Mesmo os abonos de família, a partir do mês de Novembro, diminuíram. E o Lar depende unicamente do apoio da Segurança Social. Aquilo que me apraz registar, é a enorme afluência de pessoas a contribuírem com donativos. Talvez este tenha sido o ano em que eu senti uma maior preocupação por parte das pessoas no sentido de ajudarem ou com brinquedos para as crianças, ou com géneros alimentares, ou mesmo com contribuições monetárias.


6 @ Quer partilhar alguma história de uma criança que tenham acolhido, sem recorrer a nomes, e que a tenha marcado enquanto responsável do lar e ser humano.

R: Tenho tantas! Não gosto muito de falar sobre isso porque tenho receio que possam ser identificadas, mas recordo-me, no meu segundo ano aqui, de uma criança com seis aninhos, rejeitada pela família, a todos os níveis, que demonstrou muita dificuldade em se relacionar. Mas, a partir de dada altura, floresceu e começou a perceber que podia confiar em nós, começou a fazer descobertas e a descobrir-se a si própria. Por exemplo, nunca tinha visto um interruptor e então passava tempos a acender e a apagar a luz. Agora, já não está connosco, mas fez o seu percurso escolar normal, os seus três primeiros anos foram muito difíceis, mas, agora, já se casou e está integrado na sociedade.


7 @ Que métodos de trabalho aplicam e desenvolvem com as crianças na instituição? Há um tempo limite de permanência no Lar?

R: O tecto que existe, por enquanto, é o da idade. Chegando aos 18 anos devem sair. A não ser aquelas que, ou continuem com dificuldades, que têm de pedir autorização, ou que estejam a terminar os seus cursos. Hoje, a tendência é que as crianças permaneçam o menos tempo possível nas instituições. Daí que, a par do trabalho que temos com as crianças, desenvolvemos, também, um trabalho com as famílias no sentido de as voltar a integrar no seu meio familiar. Quando achamos esse compromisso difícil, fazemos um trabalho específico com as crianças para elas se poderem autonomizar. A princípio com o apoio da instituição, para depois poderem singrar na vida sem precisarem de estar numa instituição. Daí que, desde cedo, nós façamos um trabalho que habitue as crianças a fazerem escolhas, deixá-las correr certos riscos, mesmo sabendo nós, à partida, que não vão resultar, precisamente para elas irem aprendendo com as suas experiências como é que uma pessoa pode na vida singrar. Elas vão aprendendo a reagir aos fracassos que vão tendo. Algo que é normal hoje em dia. Toda a gente tem fracassos. O importante é superá-los e aprender com eles. O que as obriga a reflectir sobre as suas escolhas, sobre as suas acções…


8 @ Qual é o projecto mais importante para o Lar, a curto prazo, que gostaria de ver concretizado?

R: Que comece a funcionar, efectivamente, um apartamento de autonomia para um grupo de jovens com mais idade, para que assim possam viver de uma forma mais independente, gerindo o seu dinheiro, bem como as suas próprias vidas. Já temos o apartamento pronto, que nos foi cedido pela autarquia, só falta a autorização da Segurança Social. Precisamos de um orçamento para o pôr a funcionar, mas está complicado por causa das dificuldades que todos sabemos.


9 @ Uma última pergunta, só para terminar, e esta mais pessoal. Como é que é ser a irmã mais nova de uma personalidade nacional e internacional como o arquitecto Siza Vieira?

R: É muito bom! Um irmão é sempre um irmão. E nós gostamos, sempre, que a nossa família singre e seja bem sucedida. Para além disso, é um irmão muito especial porque é uma pessoa extremamente simples. Não é nada vaidoso e, portanto, tem esta faceta que encanta qualquer pessoa que o conheça bem. Um dos seus primeiros trabalhos foi a adaptação da casa dos meus pais e, portanto, crescemos no meio daquilo. O meu pai fazia muitas viagens, na altura, a Espanha, onde ia a família toda. Nessas viagens, o meu irmão levava-nos a ver obras de arquitectos famosos, museus, edifícios, entre outras. O nosso pai proporcionava-nos isso e o meu irmão ajudava muito a fazer os itinerários. De maneira que nós crescemos naquele meio e, por isso, para nós é algo natural. Sempre soubemos que ele iria ter sucesso.

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