30 de janeiro de 2011

LER O MUNDO


FACTOS

Nomeado: José Manuel Anes
Cargo: Presidente do Observatório de Segurança, Crime Organizado e Terrorismo
Local: Museu Abade de Baçal

ENTREVISTA

1 @ Como é que vê a utilização de Portugal como base terrorista e operacional do crime organizado? Quer pela ETA, quer pelas máfias de Leste...

R: As bases da ETA foram uma preocupação, pois eles tinham aqui muito material explosivo para os seus atentados. Não em Portugal, mas em Espanha. Agora, nós temos um dever de solidariedade para com o povo e o estado espanhol. Nós somos um país europeu, um país que quer que a Europa tenha segurança, tranquilidade e progresso. Logo, cumprimos com a nossa obrigação. Não somos vítimas do terrorismo, esperamos que nunca venhamos a ser. Mas, temos o dever de lutar e cooperar com os outros países europeus contra esse fenómeno.
O crime organizado é um problema como disse, de facto. Nós temos em Espanha, dezenas de máfias dos mais diversos países: russas, albanesas, magrebinas, colombianas, e elas vêm, depois, até aqui...


2 @ Mas porque é que continuam a escolher o nosso país? Por ser mais seguro para eles, por estarem mais à vontade...

R: Em Espanha, há mais atenção por haver, precisamente, mais assaltos. Eles estão lá e, daí, haver muitos assaltos. Por vezes, quando se sentem muito acossados, vêm a Portugal fazer um assalto e depois regressam. No caso das máfias romenas, tiveram alguma permanência aqui. Especializaram-se no assalto a residências, de algum prestígio e dinheiro e assaltos, também, a ourivesarias. Levando, depois, o ouro para a Roménia. É evidente que nós temos o problema do Espaço Xengen, que é uma conquista de liberdade, de circulação dos cidadãos europeus dentro da Europa, mas também põe problemas de segurança. Eles estão ali ao lado e vêm fazer aqui 2 ou 3 ou 4 assaltos e regressam outra vez. Há que resolver isso... Há que fazer mais operações Stop. Aliás, elas têm sido feitas. Há que fazer uma maior vigilância das fronteiras terrestres e, talvez, nas identificações possamos apanhar mais esses visitantes indesejados que vêm cá prejudicar os nossos cidadãos.

3 @ Eles vêm, cometem o crime e regressam?

R: É verdade! Nós temos os nossos gangues locais de alguns bairros problemáticos. Isso sempre exsitiu. Mas facto é que tem havido várias incursões de Espanha, estão aqui algum tempo e voltam com o produto dos seus roubos. Isso, não podemos permitir! Logo, tem de haver maior vigilância nesses percursos intra-fronteiriços.

4 @ Pensa que o actual panorama de crise poderá fomentar outro tipo de criminalidade?

R: Tem havido algum aumento de pequenos furtos. Isso aí está directamente ligado com a crise e é inevitável. Tipo furto de supermercado. As pessoas não têm o que comer e têm essa tentação que se pode compreender socialmente, mas, que face à lei, têm que ser sancionadas. Agora, o crime violento não é pela crise que vai aumentar.

5 @ Mas os pequenos furtos poderão funcionar como uma escola de crime para algo maior?

R: O primeiro passo para... Sim! Há aquela dona de casa ou aquele pai que querem alimentar os filhos e não passam daí. Mas há outros que começam com o pequeno furto e vão, claramente, aumentando na progressão da via criminosa. Ainda não se vê um grande aumento nesse tipo de ascensão criminal devido à crise, mas pode acontecer. E é preciso estar atento. Temos, sobretudo, de perceber que muitos desses gangues de bairro às vezes evoluem para formas mais elevadas do crime organizado, formando verdadeiras máfias. É um fenómeno para o qual as autoridades policiais estão atentas, mas que tem de ser visto com muita atenção. A liberdade é muito importante, mas a segurança também é um direito dos cidadãos.


6 @ Lisboa acolheu, recentemente, a Cimeira da Nato. Portugal saiu bem na fotografia?

R: Foi excepcional! Tivemos um desempenho ao mais alto nível, indiscutivelmente. Os responsáveis decidiram actuar como de resto se faz na Europa, quando há riscos em jogo. E só há um processo, é fazer dissuasão. Falar das potenciais ameaças, mostrar a força da polícia, o seu treino contra os desordeiros e isso funcionou a 100 por cento. Juntamente, com o fechar temporário das fronteiras. O que evitou que algumas centenas entrassem em Portugal, que eram os tais que vinham provocar distúrbios e isso nós não podíamos consentir.

7 @ Num cenário de política internacional, o Nobel da Paz foi atribuído em 2010 ao dissidente chinês Liu Xiaobo. O seu país de origem, uma das maiores potências mundiais, ameaçou largas dezenas de países para não comparecerem a uma cerimónia de “cadeira vazia”. Como é que vê a pressão da China e a cedência de outros países aos seus caprichos?

R: A China tem muito poder, tem muito dinheiro. E quem tem poder e dinheiro, pode ditar regras de política internacional. Antigamente, era só um bloco, depois, dois, e, agora, já aparece um terceiro. E esse quando não gosta das coisas, naturalmente, faz sinais e as pessoas obedecem. Infelizmente, é assim. É a regra do mais forte e do que tem mais poder. Obviamente que não acho correcta essa atitude. Muitos países vão ter que ter um jogo de cintura porque precisam do dinheiro da China e esses apoios financeiros pagam-se. Esses apoios financeiros da China vão ter um preço político e já está aí a primeira prova do preço político desses apoios. É assim a vida!

8 @ O Irão tem-se vindo a revelar como uma autêntica ameaça, quer a nível do Médio Oriente, instigando a instabilidade, quer a nível mundial com o seu programa nuclear. Quais os perigos que poderão daí advir?

R: O Irão é uma dor de cabeça, claramente. De facto, precisamos de contar com a Rússia, uma vez mais, para conter o Irão. A Rússia tem boas relações com o Irão e a Rússia precisa do Ocidente por causa do terrorismo e do narcotráfico no Afeganistão. Logo, a moeda de troca será a Rússia ajudar a conter o Irão. E eu penso que isso será possível. Há ali um louco (presidente do Irão, Mahmoud Ahmadinejad), que está à frente daquele país. Mas a sua população é culta, não é uma ordem de selvagens. É um homem problemático, que tem uma classe dirigente complicada, mas que é possível ser travado por acções e pressões diplomáticas. Evitando as intervenções militares, tenho a impressão de que se conseguirá. Sem dúvida!


9 @ Coreia do Norte / Coreia do Sul, o eterno problema... Um fim anunciado para quando?

R: Aí já não é uma pessoa desequilibrada (Kim Jong II), é uma família inteira. Aquela dinastia é completamente desequilibrada. “Os loucos” como os próprios chineses dizem, discretamente. Por um lado, a China só não acaba com aquilo porque lhe convém manter alguma pressão sobre os outros países na região. Mas, por outro, ela tem capacidade de os conter. E precisamos da China para conter, claramente, a Coreia do Norte

10 @ No Brasil, o recente reforço armado contra o crime organizado / favelado tomou proporções hercúleas. Na sua opinião, pode o Brasil tornar-se um país mais seguro?

R: Será muito difícil eliminar o crime! Mas é possível conter... Não só pela intervenção militar, mas também porque um dos chefes da polícia do Rio de Janeiro era antropólogo e fez uma intervenção social e educacional muito importante, cheia de êxito. Enfim, temos de perceber que aquilo é complicado. Esse crime organizado já está instalado há muitos anos e domina vastas regiões do Rio de Janeiro. É como o México! Esse é outro grande problema que não sei como é que se vai conseguir resolver.

11 @ Refere-se à emigração ilegal e ao narcotráfico proveniente do México com destino aos Estados Unidos?

R: Precisamente! Só pode haver tráfico de droga quando há clientes que compram e os Estados Unidos representam um grande mercado. Logo, o México está continuamente a fornecer os seus cartéis do outro lado da fronteira. O crime organizado vai ter de ser uma preocupação da comunidade internacional. Até agora, o terrorismo e os crimes entre países, sem dúvida nenhuma, agora o crime organizado vai crescer, vai ter cada vez mais influência e de minar as sociedades e ter aspectos, umas vezes violentos, outras subterrâneos, também perigosos, o crime organizado vai ser um problema da agenda já neste começo do século XXI.

12 @ Temos assistido ao longo das últimas décadas à confluência entre o crime organizado e o crime de colarinho branco. Como é que preconiza essa aliança?

R: Essa confluência normalmente acontece. O crime organizado tem duas valências: a da violência, mas tem uma mais permanente que é essa actividade silenciosa, subterrânea, que vai minando a sociedade, vai tomando conta das instituições, dos seus representantes, da economia e esse é um enorme problema que temos por resolver.

José Manuel Anes foi eleito presidente da OSCOT a 20 de Janeiro de 2010

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