No ano em que D. Ximenes Belo e Ramos Horta foram laureados com o Prémio Nobel da Paz, António Manuel da Rocha Afonso voluntariou-se para auxiliar um amigo num campo perto da aldeia de Grandais. Nesse ano de 1996, quando se preparava para entrar na casa dos trinta, Tó Afonso, como é mais conhecido, protagonizou um trágico acidente enquanto manuseava uma máquina agrícola com a qual ceifava feno para os animais. De casamento marcado, a sua noiva partiu mas o seu coração em gelo não fora transformado.
A sua nova condição, de tetraplégico, limitara-lhe o corpo a uma cadeira de rodas, mas nunca seria capaz de vergar a força da sua alma. “A princípio não foi fácil mas penso que será assim com todos, uns dias melhor, outros nem por isso”, confessa conformado, agora com 42 anos, um homem que luta de forma singular, todos os dias, contra as mais diversas contrariedades da vida.
Para conseguir contornar esses momentos e ser bem sucedido, o entrevistado desenvolveu um gosto, apreendeu técnicas, interiorizou uma arte que para ele é basilar, “é o meu passatempo, pintar é a minha terapia principal”. Incentivado após o acidente pela Associação Sócio Cultural dos Deficientes de Trás-os-Montes (ASCUDT), é peremptório em afirmar, “pintarei sempre, enquanto puder”. E pinta com a boca, já que, sendo tetraplégico, não consegue mover braços nem pernas. São variadíssimos os géneros que Tó Afonso pincela no seu quarto, quase que tomado de assalto por tantos quadros, desde naturezas-mortas, em que representa seres inanimados; retratos, onde faz a representação artística de pessoas; pintura género, que compreende um estilo sóbrio, realista, comprometido com a descrição de cenas rotineiras, temas da vida diária como homens dedicados ao seu ofício. Além destes géneros, tem uma predilecção por abstractos e paisagens, sobretudo, naturais, apesar de pintar também monumentos e outras construídas pelo homem.
Actualmente, com cerca de 40 quadros, Tó Afonso refere que já vendeu alguns exemplares, se bem que não é essa a sua prioridade. “Pintar faz-me sentir bem e é importante para mim dar-me a conhecer como artista e não como um inválido numa cadeira de rodas”. Aliás, essa é a impressão de quem entra no seu quarto, a percepção de um pintor que, sem espaço, involuntariamente exibe o seu trabalho. As paredes estão repletas, há quadros no chão e em cima da cama, o próprio cavalete sustenta uma pintura desvirtuada por ainda não estar terminada e que aguarda ansiosamente os lábios que lhe possam dar um final feliz.
Exemplo de vida na alma de um artista
“Há sempre algo que possamos fazer na vida e que nos dê prazer. Temos é de encontrar esse dom, essa inclinação natural e para que isso aconteça é preciso procurar”, revela o entrevistado. Esse é o seu propósito, levar as pessoas a acreditarem em si próprias, “se eu, tetraplégico, consigo pintar, não há motivos para que outra pessoa não consiga fazer aquilo a que se propõe”, sustenta convicto Tó Afonso.
Hóspede na Santa Casa da Misericórdia em Bragança há cerca de seis anos e com um “modus vivendi” inteiramente apreendido, o artista descreve-nos a sua rotina, “acordo ao início da manhã, entre as 6 e as 8 horas, além da pintura, à tarde vou espairecer um bocado, conviver com os amigos, à noite vejo televisão, oiço música e leio sempre que possível, pois para ler preciso de alguém que me agarre o livro e vire as páginas por mim”.
Uma exposição de Tó Afonso está patente, até 31 de Agosto, na praça do Mercado Municipal, onde será possível encontrar grande parte da sua obra e até, quem sabe, possa, de forma benevolente, adquirir um dos seus muitos quadros.
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