26 de maio de 2010

UMA ALDEIA SEM FESTA

Lamas de Cavalo é uma aldeia que parou no tempo envelhecido das memórias e da qual só resta “quase ninguém”

Constituem a freguesia de Alvites, Mirandela, 4 aldeias. São elas: Alvites, Açoreira, Vale de Lagoa e Lamas de Cavalo. A última, o motivo desta reportagem, tem uma população fixa de 25 habitantes. Talvez por essa razão, tenha sido a contemplada. Monumentos ou locais históricos não possui, nem públicos, para além da Capela do Divino Espírito Santo, padroeiro da aldeia. Mas possui algo, ainda, mais importante. Pessoas. E foi por elas e pela sua opinião que nos deslocámos entre montes até um destino completamente desconhecido. Ouviu-se falar numa aldeia quase fantasma, com apenas seis pessoas, mas Nuno do Nascimento usou e abusou das somas matemáticas e, sem recurso a uma calculadora, descreveu toda e qualquer pessoa, parando, somente, no resultado final: 25. Eu confio. Operado à coluna, depois de ter sido colhido por um carro, encontrando-se, agora, fisicamente limitado por umas canadianas, este agricultor na reforma revela o seu íntimo: “agora não sou nada”. Mas eu não quero, simplesmente, acreditar. Sentámo-nos à conversa, pela sombra de uma brisa fresca, quando ele me diz como ocupa o seu tempo. “Tenho uma horta pequena mais acima e, assim, entretenho-me. Também, tenho uma propriedade maior, mas essa nem sequer vou lá”, assopra, talvez, por princípio de conversa.
Perguntei, então, se no Verão havia festa, um costume antigo das aldeias, e se vinham emigrantes de férias. “Já há muitos anos que isto não tem gente para fazer festa. Temos uma população envelhecida, quase toda reformada, só meia dúzia é que ainda trabalha. No Verão, há poucos emigrantes que regressam, alguns 2 ou 3”, responde Nascimento.
Entretanto, de dentro de casa saiu uma senhora, sua esposa, que se sentou ao nosso lado e sentiu confiança suficiente para desabafar: “Eu, infelizmente, estou aqui no deserto. Eu sou de Paradela e só estou aqui por causa do meu marido, porque é de cá e tem aqui o coração dele. Mas eu não gosto disto! Por mim, já estava em Paradela, que tenho lá família e aqui não tenho ninguém, sou só eu e ele. Portanto, veja lá o que eu posso aqui estar de contente”.
Ana Céu, 77 anos, veio para Lamas de Cavalo quando casou com Nascimento. “Tinha 32 anos incompletos”, faz referência. Nessa época, segundo o seu marido, as casas estavam todas habitadas, isto em 1965. “Uns morreram, outros partiram para Lisboa e para França, mas eram mais de 100 pessoas aqui na aldeia”, testemunha o octogenário.

Sem festa, sem emigrantes de regresso no Verão, sem transportes, Lamas de Cavalo é uma aldeia próxima de muitas outras, mas, simultaneamente, distante de tudo e todos

Sem autocarros públicos ou privados a cruzar Lamas de Cavalo, a população, sempre que pretende fazer deslocar-se, tem de chamar um carro de praça de Mirandela. São 15 euros numa viagem que, na maior parte das vezes, representa um considerável rombo na demasiado magra pensão de reforma.
“Ainda na segunda-feira, o meu marido foi ao Porto fazer um exame, saiu ainda não eram as 6 horas e entrou-me em casa já passava da meia-noite e eu sozinha aqui. Veja, se eu tenho razão… Ainda cá veio a minha cunhada de Paradela e a sua vizinha. Telefonaram-me a perguntar se ele já tinha vindo, eu disse-lhes: ainda não veio; então, vieram elas, entretanto, fazer-me companhia. Só se foram embora depois de me telefonarem do hospital a dizer que tinham chegado a Mirandela e que ele já vinha para cima”, apregoa Ana Céu, algo inconformada com a solidão e, ainda, na fé da tentativa de convencer o marido a mudar de poiso.
Questionados sobre que futuro provável estará reservado para o local que os acolhe, a esposa de Nascimento não tem dúvidas: “Daqui a 10 ou 20 anos, o futuro desta aldeia é ficaram cá duas famílias”. Já o seu cônjuge suspeita que não demorará tanto tempo a permanecerem, apenas, 2 ou 3 casas habitadas.
“A gente que aqui há, idosa, quando for daqui a 10 anos já cá não estão. Poderá haver meia dúzia de pessoas. Há aqui 3 ou 4 com quase 90 anos e outras de 85, 84 e por aí. Com 30 e tal anos, são 2 ou 3. Mocidade nova há só 1 rapazito, nada, anda com meia dúzia de ovelhas que aí tem”, revela, sem esperança pela consciência da realidade, este agricultor de tempos idos.
A família de Nascimento não termina em Lamas de Cavalo: “tenho três irmãs mas estão casadas todas fora e não vêm para aqui, os sobrinhos também não vêm, de vez em quando fazem uma visita, nas férias, mas é raro”, confessa como quem não admite solidão. “Uns vivem em Macedo, têm um trabalho de categoria, são mecânicos, mas não vêm para aqui”, completa Ana Céu, a sentença do seu marido, sabendo que terão de continuar a viver, praticamente, sozinhos. Ele conformado com a solidão. Ela não!

"Nem dá para comer"


António Ramos, nascido em Lamas de Cavalo, e Maria Fernanda, 83 e 51 anos, respectivamente, estão casados e residem, actualmente, em Mirandela. Ambos lamentam a falta de escoamento dos produtos originários das aldeias. “Isto não dá para comer. Os lavradores têm de abandonar as aldeias porque não têm maneira de vender. Semeiam-se as batatas e não há quem as compre, o mesmo acontece com o centeio e com o azeite. Os produtos não têm saída! Não se cultiva e é por isso que não está cá ninguém. Pode dar a volta à aldeia e não encontra mais de 3 pessoas. Andam a dizer que dão e, depois, não dão nada! Tenho um subsídio de azeite no valor de 3283 euros para receber e nunca mais me pagam. Eu também tenho cereja, mas o agricultor não consegue escoar os seus produtos", afirmam, revoltados contra o Governo por não tomar medidas adequadas e não conseguir ultrapassar o estado de crise, "que não é de agora", relembra. "O ano passado, vendemos o quilo da cereja a 80 cêntimos a um hipermercado. E depois, em Mirandela, vende-se a 5 e 6 euros o quilo. Como é que é possível? É o mesmo preço a que está no Porto. Quem ganha, de facto, o dinheiro são os revendedores. Vendi diospiros por 40 cêntimos o quilo e vi-os depois à venda a 1.97 euros. Mesmo a cereja, não há mulheres para a apanha. O agricultor, por vezes, em vez de vender os seus produtos, tem de os dar", acrescenta António Ramos.

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