"PARAR É MORRER!"
FACTOS
Nome – Manoel de Oliveira
Idade – 101 anos
Data de nascimento – 11 de Dezembro de 1908
Origem – Porto
Profissão – Realizador
Local – Museu Abade de Baçal
ENTREVISTA
1 @ Quais são os seus sentimentos relativos a Portugal?
R: Do Porto, nasceu Portugal, a palavra... De Lisboa, nasceu o fado.. O fado em que caímos agora. O fado económico.. O da guitarra, só tem uma corda!
2 @ Ao longo das últimas décadas, assistiu a várias alterações de fundo no país? Mas o que é que mudou, de facto?
R: As pessoas são sempre as mesmas. O que muda são aspectos exteriores, mas o homem não mudou. Eu acho que as coisas não mudam, o que muda são as circunstâncias e não, propriamente,a índole das pessoas. Essa é a mesma! Conserva-se sempre. Mas é o progresso. O mesmo que nos traz mais conforto e mais desconforto como se verifica agora com as inundações, os incêndios, as tempestades, a chamada crise. Isso é que muda! Mas a natureza do homem será sempre a mesma!
3 @ E quanto à região Norte, sobretudo, o Nordeste Transmontano? Desde há 50 anos, altura em que gravou o documentário “Acto de Primavera”...
R: Eu cheguei agora... Era preciso que eu tivesse aqui uma presença mais demorada para saber o que é que mudou. Mas, uma coisa que costuma mudar é uma espécie de descaracterização das vilas e das cidades, que deixam perder aquele aspecto mais profundamente característico que é a própria conservação desses traços. Ao contrário de outros países.... Hitler bombardeou Varsóvia e a cidade foi reconstruída através de fotografias e pinturas de Canaletto para repor a cidade como era. Aqui, há a tendência de descaracterizar tudo, rasgar avenidas, prédios novos em sítios velhos, em vez de os fazerem em sítios novos, conservando aquilo que havia. Mas não vamos entrar por esse caminho..
4 @ Viveu alguns dos maiores momentos da história contemporânea da humanidade. Que momentos foram esses que o marcaram realmente?
R: O momento mais marcante de Portugal para quem viveu este tempo em que eu vivo foi, realmente, o 25 de Abril.
5 @ E a nível mundial?
R: Nós estivemos, tranquilamente, em Portugal! Até rima... Não tenho razão de queixa, nas viagens que eu fiz lá fora fui sempre bem atendido... Lumiere filmou a chegada do comboio à estação e o público, quando ouviu o seu barulho, no cinema, fugiu com medo que passasse sobre eles. Depois, do aparecimento do comboio criaram-se as máquinas a vapor e apareceu, então, a indústria capitalista. Esta, criou o operariado e o operariado criou Marx. Marx criou o comunismo na Rússia, que criou o fascismo, em Itália com Mussolini, em Portugal com Salazar, na Alemanha com Hitler e em Espanha com Franco. A Grande Guerra quebrou esse rumo e o 25 de Abril foi uma nota interessante de abertura que levou, mais tarde, à queda do Muro de Berlim e ao socialismo em França. A queda do muro foi uma coisa extraordinária e tudo parecia no bom caminho para a Europa. No entanto, apareceu o Kosovo e essa marmelada toda... Agora, temos, ainda, a sobrepor-se a crise... E cá estamos, a sobreviver!
6 @ Como é que escolhe fazer um filme em detrimento de outro?
R: Não faço filmes por encomenda! Mas por desejo natural... É o acaso que nos dá aquela circunstância... É o que melhor se presta a ser filmado... Agora, existe a exigência de um produtor que nos deixe livre o pensamento para as filmagens e corresponda às nossas necessidades fílmicas.
7 @ Como é que classifica o actual estado de coisas em Portugal? Nomeadamente, na cultura.
R: Hoje, os produtores só fazem um filme quando têm o dinheiro todo para filmar e muitas vezes fica-se sem o próprio ordenado. Conseguiu-se fazer o filme, mas fica por aí. É uma situação terrível. Os realizadores só têm subsídios quando filmam, não têm subsídios de desemprego, não têm reforma, de maneira que, quando filmam, se lhes sobra algum dinheiro, têm de o guardar para um dia de dificuldade, uma doença, a família ou algo parecido... Enfim, é uma situação ingrata! Mas, espero bem que a Ministra dê saída a esta encrenca.
"Não faço filmes por encomenda! Mas por desejo natural..."
8 @ Um dos seus netos, da sua filha Adelaide, é o conhecido actor Ricardo Trepa. Que é que sente como avô e realizador, já que o próprio Manoel foi actor em algumas ocasiões?
R: O meu neto é hábil e tem uma certa garantia porque se presta bem. De resto, desempenhou no filme “O Quinto Império – Ontem como Hoje”o papel de D. Sebastião. Uma interpretação extraordinária, que ultrapassou tudo quanto eu imaginava. Gosto que os actores sejam espontâneos o mais possível... Essa é a melhor forma, a mais correcta! Não gosto que representem, mas que vivam o papel.
9 @ Algumas novidades em termos de filmes ou projectos para breve?
R: Eu não queria muito falar sobre isso porque é uma coisa que ainda está em suspenso. Trata-se, primeiro, de uma co-produção com o Brasil e tenho outro que também não está, ainda, bem claro, dada a circunstância da situação com o produtor. Tenho que encontrar nova gente e, portanto, é tudo muito ambíguo por enquanto. A minha vontade era começar já este ano e continuar no ano que vem.
10 @ É a partir dos seus 60 anos, após uma longa paragem, que acelera o seu ritmo de trabalho com, em média, um filme por ano. A que se deve tal empenhamento depois de atingida já uma idade mais avançada?
R: Porque estava atrasado... Estive 14 anos parado. Acha pouco? Mas não deixei de pensar nos filmes e o meu critério sobre cinema modificou muito. Essa passagem para uma fase mais activa aconteceu devido à Fundação Gulbenkian que ajudou o novo cinema português e financiou três filmes, um dos quais, em 1971, era meu: “O Passado e o Presente”. Essa foi a abertura para depois continuar por aí fora...
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