12 de junho de 2010

OS PEREGRINOS

Durante 11 dias, dois brigantinos empreenderam uma viagem de 300 quilómetros num Caminho de e para S. Tiago de Compostela

De albergue em albergue, Amílcar Moreira e António David calcorrearam perto de 300 quilómetros numa viagem que durou 11 dias. De Bragança partiram, a 9 de Abril, às 9 horas, o destino: S. Tiago de Compostela. Sempre próximos ou lado a lado, cada um com o seu ritmo próprio, e sem grandes pressas, caminhavam uma distância diária a rondar, em média, os 30 quilómetros distribuídos por 9 ou 10 horas, e repartidos em pequenas pausas. Os albergues servem o seu nobre propósito, providenciando guarida aos nossos peregrinos após um extenuante dia de caminho. Excepção feita à primeira paragem, Moimenta. Ai foi um casal amigo a recebê-los de braços abertos. Numa hospitalidade tipicamente transmontana, um jantar caseiro retemperou forças, após um desgaste de 37 quilómetros. A cama complementou o descanso no passo mais lógico seguinte. A 10 de Abril, o dia amanheceu cedo. Duche, pequeno-almoço e, antes das 9 horas, as solas já conheciam o calor do destino ao trespassarem a fronteira em direcção a A Gudiño.


Com séculos de existência, neste “Caminho da Prata” dos nossos antepassados, bem como noutros que acedem a S. Tiago, há setas amarelas, “conchas” e indicações “por medida” que garantem a fiabilidade do percurso. Assim, de várias formas se evita que, mesmo os mais distraídos, ou aqueles desprovidos de um qualquer sentido de orientação mais preciso, percam o norte ou tropecem nalgum contratempo indesejado. A partir de A Gudiño, é providenciada a logística que serve de base de apoio a todos aqueles cuja meta é a catedral na cidade santa espanhola. Os albergues são parte integrante dos 9 caminhos (apenas os Caminhos Inglês, Francês e Português chegam a S. Tiago, os outros vão-se juntando a estes três durante o percurso), e para que nada falte aos peregrinos, em todos eles, cobra-se a módica quantia de 5 euros.
“Podes dormir, tomar banho e cozinhar, dão-te um lençol e uma travesseira e só pagas 5 euros. Parecem hotéis de cinco estrelas! Mas, apenas, podemos ficar uma noite hospedados, só se adoeceres ou tiveres magoado é que poderás ficar mais tempo”, expressa Amílcar, mais conhecido, entre os amigos, por Mica, e cujas dores nos joelhos acrescentaram um grau de dificuldade à viagem dos seus 54 anos.

“Podes dormir, tomar banho e cozinhar, dão-te um lençol e uma travesseira e só pagas 5 euros”

Para António, a parte mais difícil do trajecto foi depois de Ourense, onde chegaram no dia 17 de Abril, uma subida de 2,5 quilómetros com 19 por cento de inclinação. “Eu fui uma vez a S. Tiago, em 1999, mas parti de Ourense e fiz outro caminho que há, sem ser a subida. Ainda, foram cerca de 106 quilómetros”, testemunha nos seus 51 anos.
Quanto ao cansaço, Mica assegura a sua irrealidade. “Nunca te cansas porque não vai ninguém a picar-te. Podes descansar o tempo que quiseres. Eu e o António tínhamos bolhas nos pés e púnhamos uns pensos de silicone e umas gazes e nem as sentíamos”, afirma.
Apesar das maleitas físicas, o bom tempo fez questão de auxiliar o par de andantes, enquanto que, em Bragança, um dilúvio parecia abater-se sobre a cidade. No Caminho da Prata, o sol fez questão de ser uma graça dourada constante.
Nesta que foi a segunda viagem de António, e a primeira de Amílcar, os peregrinos contaram com a preciosa ajuda de Luís Oliveira, que foi ter com eles a Ourense, tendo-os acompanhado no último terço da viagem. Para além do óbvio apoio moral, por se tratar de alguém que se deslocou propositadamente para ir ao encontro dos seus dois amigos, também se tratou de um auxiliar físico, pois como estava de carro, pôde levar consigo todo e qualquer peso extra dos caminhantes, sobretudo, as mochilas, permitindo, assim, o resto de uma viagem mais folgada e descontraída.

O Caminho é a viagem de um peregrino. São aos milhares que todos os anos percorrem trilhos inauditos na procura incessante de um destino

Nesta mescla de crença e descoberta, existe uma credencial, previamente adquirida, que comprova as pessoas como romeiros de S. Tiago. Renovando a tradição das cartas de apresentação ou salvo-conduto dos peregrinos antigos, este é um documento básico, indispensável e exclusivo para quem se aventure nos Caminhos de Santiago, seja a pé, de bicicleta ou a cavalo.
Carimbado na rota, à passagem de cada albergue, bar ou pensão, a credencial dá direito à “Compostelana”, uma espécie de diploma, entregue já na Catedral de S. Tiago de Compostela a quem tiver percorrido uma distância superior a 100 quilómetros. É como a certificação da viagem daquele que “ousa” enfrentar os momentos de introspecção dignos de uma peregrinação. Pese embora, a companhia.
“Na catedral, mostramos o passaporte e, através dos carimbos, um assessor do bispo verifica o nosso trajecto. Só dão a “compostelana” a quem tiver feito, no mínimo, 100 quilómetros”, revela Mica, que conta, orgulhoso, os seus 17 carimbos.
Nesta viagem, a parte mais interessante, para este viajante, é o trajecto que vai desde A Gudiño até Laza. Mas, em termos de experiência, ele sublinha diversos factores: “é a natureza, o dares por ti a falar sozinho, o sacrifício e as dores, conseguires superá-las e continuares”. Para António, não há partes mais ou menos interessantes. “O mais importante é mesmo o caminho em si”, defende, reconhecendo a tristeza de quando se termina a viagem, se chega ao fim e completa o círculo. “Por um lado, há a festa de chegares e teres conseguido concluir com sucesso o teu objectivo, mas, por outro, há a tristeza de ter terminado”, encerra António David.

António David (Tono), Luís Guerra (Patinhas) e Amílcar Moreira (Mica)

Sem comentários:

Enviar um comentário