17 de agosto de 2010

"ARRUMADOS COMO O LIXO"

Péssimos cartões de visita às portas da cidade resumem-se a três acampamentos ciganos aos quais a autarquia é tão indiferente como promessas de uma década

No Ano de Combate à Pobreza e Exclusão Social, são mais de 200 os ciganos na região que continuam, desde 1990, no limiar da degradação humana. Marginalizados, sobrevivem na dependência da Segurança Social.
Em Bragança, a pobreza está reflectida na história de três acampamentos ciganos votados ao abandono. São dezenas de crianças pertencentes a numerosas famílias sem as mínimas condições de higiene e conforto. Ratos, cobras, insectos e lagartos patrulham os vários quartos traçando a roupa e infestando um ambiente, já por si só, contaminado. Sem água quente, casas de banho e, no acampamento do Bairro das Touças, não existe sequer um mero contentor do lixo nas proximidades. Neste refúgio desolador, que nasceu no local da extinta lixeira, perto do cruzamento de Donai, vive Eduarda Clarice há 20 anos.
“Esta terra está suja e a bicharada é demais, por causa da antiga lixeira é que a terra por baixo está toda infectada. Há lagartos, cobras, ratos. Às vezes, estão os garotos a dormir e acordam com aquelas bichas a andar. Isto aqui é enfermidade!”, afirma revoltada esta mãe de 9 filhos.
Com perto de uma centena de ciganos, o acampamento está povoado, na sua maioria, por crianças. “Temos aqui um rebanho de filhos e para a escola e para o ciclo sabe Deus como é que eles vão porque no Inverno não é nada fácil. Isto é uma vergonha! Para os lavar e vestir sem casa de banho, sem água quente… Luz temos, mas a habilidade é nossa”, revela.
De acordo com Eduarda Clarice, a sua família, entre outras, inscreveu-se no Pré-habita e a Câmara Municipal de Bragança (CMB), há 10 anos atrás, prometeu-lhes fazer um bairro social, com o propósito de os retirar daqueles terrenos baldios e proporcionar-lhes uma vida mais condigna.
A autarquia tinha em curso um projecto para realojar 26 famílias do concelho onde reside uma parte significativa desta comunidade, no entanto, os ciganos asseguram nada ter sido feito. O Jornal Nordeste tentou, por diversas vezes, entrar em contacto com a CMB, mas sem sucesso.

“Prometem e não cumprem. Isto é uma vergonha! Haviam de botar os olhos aqui no povo”, Eduarda Clarice

“Há 10 anos que estamos à espera disso... Só promessas! Somos ciganos e estamos arrumados como o lixo. A Câmara sabe bem a situação em que estamos e nunca cá vi nenhum técnico. Eu só vejo é os ciganos enroscados nos lagartos e nas cobras”, relembra angustiada. “E no último ano já deram, uma vez 12, outra vez 6 e outra vez 3 casas nos bairros sociais da câmara, mas aos ciganos nunca deram propostas nenhumas”, garante Eduarda.
Desmotivados e sem qualquer anseio ou vontade de falar, “fartos de promessas” e de pessoas que aparecem “de visita”, “cheias de boas intenções”... Foi assim com o patriarca do acampamento cigano, que se negou a prestar declarações. “Pedem-nos para falar, mas depois saem daqui e vão ao presidente da câmara, ele dá-vos algum dinheiro e nunca sai nada. Foi assim com outros, muitos, que já passaram por aqui. Até de Lisboa, da SIC e da TVI, eles é que ganham dinheiro”, disse, enquanto virava costas para desaparecer no amontoado “de barracos”.

Numa carrinha encontra-se a cozinha de Celeste do Nascimento 

Já Celeste do Nascimento vive no acampamento da Avenida Abade de Baçal, perto da Escola Primária do Campo Redondo, com a sua família, num total de 15 pessoas. Nas suas queixas, também aponta o dedo à CMB por incumprimento de promessas.
“Já estou aqui há 20 anos. Há 10 que a Câmara me prometeu uma roullote para dormir eu e o mais novo e ainda nada. Recebo 230 euros da Segurança Social, desde que fui operada, só para a tensão gasto 160 euros em medicamentos. Tenho vezes em que não dá para comer”, lamenta-se.
Esta matriarca do acampamento da Avenida, tem numa carrinha a sua cozinha, enquanto que, o seu quarto, bem como todos os seus pertences, estão naquilo que resta de uma roulotte, onde dorme com o seu filho.
Quer Eduarda, quer Celeste, estão dispostas a pagar uma renda simbólica por uma habitação. “Eu não me importava de pagar uma renda simbólica, dentro das minhas posses, pagar a água, a luz e ter as minhas condições como têm os demais... Não é aqui no barraco que nem a gente dorme com o medo às cobras e aos bichos. Vai a gente a vestir a roupa e está toda roída dos ratos. Isto aqui é uma miséria!”, protesta Eduarda. Apesar de receber 500 euros da Segurança Social, assevera não ser suficiente: “Que é isso? Tenho 9 filhos e nós aqui compramos tudo, do sal à água”.
“Na mente deles, hão-de achar que não somos cidadãos como eles e, por isso, não temos direito a regalias. Mas eu acho que somos de carne e osso, iguais aos outros. Tanto dá que seja cigano, como preto, amarelo ou azul. Independentemente da raça, todos temos direito à vida”, defende, com palavras que encontram eco nos habitantes do acampamento cigano do Bairro dos Formarigos, bem perto da escola do 1º ciclo...  

TESTEMUNHOS

Eduarda Clarice

“Para irmos fazer as nossas necessidades, temos de ir aí para o monte. Às vezes, esbarramos os homens com as mulheres e as mulheres com os homens. É uma casa de banho sem porta.”

Celeste do Nascimento

“Eu queria sair daqui, se a Câmara me desse outro sítio era o que eu faria. Não me importava de pagar uma renda simbólica, um valor baixinho. Mas não tenho esperança nenhuma! Eu sempre vi o meu futuro mal parado desde que vim para Bragança.”

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