30 de abril de 2010

UM PORTUGAL PROFUNDO

Abandono, pobreza e desertificação, assumem-se como realidades no diário de viagem de um jornalista que caminha há mais de 2 anos sobre um país de extremos


Em Fevereiro de 2008, Nuno Ferreira, inicia, em Sagres, uma nacional epopeia dos tempos modernos, ao decidir percorrer, a pé, um país, para uma maioria, remotamente desconhecido. “Há muito tempo que tinha vontade de fazer algo parecido, mas como trabalhava num jornal diário era-me impossível. Ao fim de 17 anos, larguei o “Público” e pude, então, realizar este projecto”, conta o jornalista.
Recentemente em Bragança, traça um diagnóstico correcto da região, sobretudo, do Parque Natural de Montesinho. “Era esse o meu objecto de observação e senti-me triste por constatar uma desertificação, pobreza e abandono rural crescentes. Casas vandalizadas, num lugar como Lama Grande; e, que a população das aldeias, vive em clima de tensão devido às limitações impostas pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICN). Mas adorei a paisagem, os lameiros, os carvalhos e os rios que atravessam o Parque”, relata este aventureiro, que só tem pena “de ter encontrado tão pouca gente”.
Entrado no Distrito, em fins de Janeiro, Nuno Ferreira já esperava alguns condicionamentos derivados de um rigoroso Inverno tipicamente transmontano, sobretudo, no escasso contacto com as pessoas. No entanto, surpreendeu-se com o Tua, o Sabor, perto de Lagoa (Macedo de Cavaleiros), e com o Maçãs, junto a Vimioso. Mas, também, se entristeceu com o facto da paisagem nordestina não ser tão valorizada quanto deveria. “Gostei bastante do Planalto Mirandês e do esforço associativo que existe para manter viva a língua, a música tradicional e os costumes”, revela o criador do blog http://www.portugalape.blogspot.com.
Atravessar “o Portugal real ou profundo”, contactar as populações, entrevistar, fotografar, vivenciar a “nossa” realidade “com tempo e ao pormenor” são os seus objectivos. Para além de pretender publicar um livro com as suas crónicas de viagem, depois de concluída a sua jornada.
Com algumas interrupções na sua expedição, “voluntárias e involuntárias”, houve locais que marcaram este caminhante de forma indelével. “Portugal é um país pequeno, mas extremamente diversificado, com diferenças substanciais nas paisagens e nas pessoas, às vezes, apenas numa distância de 30 a 40 quilómetros. De todos os locais, sublinho o privilégio de ter conhecido aqueles que me surpreenderam, como Aljezur, Silves, Torre de Moncorvo, de Alandroal a Manteigas ou de Videmonte a Tarouca”, destaca Nuno Ferreira. A divisão do átomo para um cientista, as Ilhas Galápagos para um explorador, o paraíso para este repórter, dá-se, quando “à beleza natural, se alia a hospitalidade e o carácter das pessoas”.

Pego do Inferno - Tavira

“Após o 25 de Abril, fomos varridos por uma onda de novo-riquismo e de europeísmo militante que deixou o campo entregue à sua sorte”

No interior de uma ruralidade profunda, observando com o seu poder crítico e de síntese, próprio de um jornalista, o viajante emite a sua bem formada opinião por milhares de quilómetros de experiência, in loco. Segundo o entrevistado, o estado de abandono de algumas localidades e o isolamento de outras, nomeadamente, de aldeias e lugares, é tão grave e extenso, que se pode “estabelecer uma linha no mapa do Algarve a Trás-os-Montes e calcorreá-la a pé sem encontrar, praticamente, uma alma viva”. Esse é o real estado da Nação. “O pior é que não existem nem estratégias, nem ideias, para o país que não contemplem mais betão. Seja para um novo aeroporto ou para mais auto-estradas, servirão, apenas, para esvaziar ainda mais o interior”.
Nesse sentido, Nuno Ferreira defende um lucro proveniente da natureza, das culturas regionais e do património histórico. “A Mãe-Natureza sustenta a permanência do homem neste planeta. Num futuro próximo, a nossa saúde dependerá também da conservação de um dos bens mais preciosos à face da terra, o património histórico e natural dos nossos antepassados geológicos”, salvaguarda.
“Desde a Costa Vicentina até ao Parque Natural de Montesinho, encontrei paisagens belíssimas por todo o Portugal, pois tive o privilégio de atravessar o Alentejo na Primavera, com papoilas a despontar em campos saturados de vermelho, de ver o Outono a tingir as folhas dos carvalhos em Manteigas, ou de chegar ao topo da Serra de Montemuro e ver o Douro de um lado, o mar do outro e a Serra da Estrela do lado oposto”, ilustra o repórter, quem tem vindo a efectuar o registo fotográfico de toda a expedição.
Esta alma de viajante, não distingue gentes, se uns são melhores ou piores que outros. Prefere, antes, considerar, por base, o povo português como sendo hospitaleiro. “Existem povoações e regiões, onde, por circunstâncias várias, as pessoas podem estar menos receptivas. Basta existir uma taxa de desemprego maior ou ter havido um ou dois assaltos recentemente, para que alguém de mochila às costas não seja tão bem recebido. Mas eu gosto de quebrar o gelo e de conviver com as populações, onde quer que seja. E é isso que eu tenho feito!”
Nuno Ferreira, ainda tem um longo percurso pela frente. Chaves, Barroso, Terras de Basto, Parque Natural do Alvão, Marão, Grande Porto e Minho, é a rota que lhe permitirá selar com um êxito retumbante este seu empreendimento. O destino final será Lamas de Mouro, na Serra da Peneda, e a meta temporal, o Verão que aí se avizinha.

Gois - Santa Luzia

Biografia de um explorador

Nuno Ferreira nasceu em Aveiro, no ano de 1962, licenciando-se em Comunicação Social na cidade de Lisboa. Começou por colaborar no Expresso, de 86 a 89, ano em que integrou o jornal Público, onde se manteve até 2006. Regressou ao Expresso, publicando crónicas do "Portugal A Pé" na Revista "Única" em 2008. Ao terminar a sua colaboração com o semanário, continuou viagem, com a criação de um blog. Actualmente, não conta com qualquer tipo de apoio ou patrocínio. Entre várias consagrações do seu trabalho, destaca-se, em 1996, o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube de Jornalistas do Porto com o trabalho “Route 66 a Estrada da América”, que lhe valeu também uma menção honrosa da Fundação Luso-Americana. Um ano após, recebeu o Prémio de Jornalismo de Viagem do Clube Português de Imprensa, com o trabalho “A Índia de Comboio”. Em 2007, publicou, com Pedro Faria, o livro "Ao Volante do Poder”.

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